A ilusão da certeza
- Gustavo Rivera
- 20 de dez. de 2024
- 2 min de leitura

Marta era uma comunicadora apaixonada pelo seu ofício. Suas participações em eventos eram bem conhecidas pela intensidade de suas palavras e pela maneira com a qual ela envolvia a plateia.
Ela tinha uma característica peculiar em suas palestras: abusava das afirmações definitivas para fortalecer seu ponto de vista. Iniciava muitas frases com SEMPRE ou NUNCA. Passava uma credibilidade e segurança ao falá-las que quase ninguém ousaria questioná-la sobre o que foi dito. Os ouvintes ficavam impressionados e alguns transformavam imediatamente suas rotinas após uma palestra dela.
Mas havia um problema sutil no estilo de Marta. Em seu desejo de ter sua mensagem principal lembrada, ela conduzia o público em uma retórica que parecia infalível: o poder das palavras “sempre” e “nunca” trazia uma falsa sensação de segurança, uma ilusão de controle.
Durante séculos, os ornitólogos estavam convencidos de que todos os cisnes do mundo eram brancos. A cada viagem de exploração, a cada nova descoberta e relato registrado, não importava o continente ou a região mais recôndita deste planeta, os cisnes sempre tinham penas brancas. A comunidade científica consolidou essa premissa como uma verdade indiscutível. Os livros e tratados de ornitologia reforçavam a certeza com segurança: “Todos os cisnes são brancos”. Afinal, essa crença era respaldada por todas as observações registradas ao longo dos séculos.
Então, no século XVII, uma expedição de exploradores europeus chegou à Austrália. Enquanto exploravam o interior do continente, eles fizeram uma descoberta que mudaria a ciência da ornitologia para sempre: eles encontraram cisnes negros. Como poderia existir um cisne que contrariava tudo o que se acreditava saber sobre a espécie? O que antes era considerado impossível agora era uma realidade inegável.
A descoberta do cisne negro forçou os estudiosos a revisarem suas teorias, rever suas metodologias e reconhecer o quão limitadas eram as suas observações. Isso trouxe uma lição poderosa: por mais confiáveis e extensivas que fossem as experiências e observações, elas não garantiam uma visão completa do mundo. Algo que parecia “impossível” podia, sim, existir, apenas na espera para ser descoberto.
Foi essa história que inspirou Nassim Nicholas Taleb em seu livro best-seller A Lógica do Cisne Negro, no qual versa sobre a metáfora do cisne negro para explicar como eventos raros e imprevisíveis podem trazer grandes consequências para o conhecimento vigente e abalar certezas que acreditávamos serem imutáveis.

Ano após ano, Marta fazia uso, convicta, das suas verdades absolutas. Só que o público, outrora leigo sobre alguns assuntos das palestras de Marta, começou a questionar essa postura da palestrante. Alguns conteúdos explorados por Marta não funcionavam exatamente daquela maneira. Nem tudo era bem daquele jeito e o burburinho sobre as apresentações dela começou a fazer um barulho considerável. Aos poucos, Marta teve uma redução significativa na quantidade de convites recebidos para palestrar e definhou abraçada aos seus “sempres e nuncas”.
NUNCA fale sempre ou nunca. Por mais contraditória que essa frase possa parecer, algumas palavras IMPACTAM. Quando estabelecem verdades absolutas então, sai de baixo. EVITE, melhor assim, ao máximo, o uso de expressões como essas. Dificilmente teremos o informações suficientes sobre qualquer assunto e é muito provável que, em qualquer área, existirão incontáveis descobertas, tal qual os cisnes negros.

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