Ilusão do fim da história (revisitado)
- apresenthe
- 26 de dez. de 2024
- 3 min de leitura

Daniel Gilbert, psicólogo de Harvard, cunhou o termo “ilusão do fim da história” para a narrativa, criada pelas pessoas, de que dificilmente mudaremos nossa personalidade no futuro que nos aguarda. Se sou assim hoje, serei assim ou terei leves, muito leves alterações na minha personalidade no futuro. Será?
Pense em algum shopping que você frequente na sua cidade. Desde que o shopping abriu, muitas implementações ou reformas foram feitas. Novas lojas, reformas de banheiros, estacionamento, expansões, alterações de fachada, só para citar algumas. O shopping tem provavelmente o mesmo esqueleto básico, mas a cara e dinâmicas que ocorrem nele já não são as mesmas da sua inauguração. Alguns ficam melhores, outros piores, depende de quem os frequenta (algumas pessoas podem ter uma opinião favorável às mudanças, outras não) e o mesmo ocorre em aeroportos, clubes e vários outros lugares.
- Mas você está citando localidades. Com pessoas a história é outra.
Mais uma vez: será?
Se você for do grupo 30+, o exercício que proporei será mais fácil:
Qual era sua música preferida há 10 anos? Continua a mesma?
Quem eram seus melhores amigos há 10 anos? Continuam os mesmos?
Quais eram as personalidades que você mais admirava há 10 anos? Continuam as mesmas?
Daniel Gilbert fez um experimento bem interessante. Fez duas perguntas às pessoas que aceitaram participar:
1. Qual a sua banda preferida há 10 anos e quanto você pagaria hoje por um ingresso dessa banda?
2. Qual a sua banda preferida hoje e quanto você pagaria por um show dela daqui a 10 anos?

Em tese, não deveríamos ter diferenças. É basicamente a mesma coisa, mas não foi isso que ele encontrou. Gilbert percebeu que as pessoas que pagariam daqui a 10 anos para ver sua banda preferida de hoje, pagariam, em média 61% a mais no ingresso em relação à outra condição.
Suas preferências e opiniões mudam sim. Mudanças não são, em geral, bruscas. Boa parte delas levarão um tempo considerável. Você, COMO QUALQUER PESSOA, fica tão acostumado ou acostumada com a situação na qual se encontra que acaba considerando a possibilidade de mudanças futuras bem difícil.
A “ilusão do fim da história” não pode ser um entrave para possíveis mudanças que você tenha medo de executar na sua vida porque ainda que você não execute reviravoltas cinematográficas, a cada dia estamos em processo de mudança.
Imagino que, em algum momento da sua vida você já tenha ouvido a citação do filósofo Heráclito de Éfeso: “Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou…”
Em contraposição, Belchior, na maravilhosa “Como nossos Pais”, eternizada na voz de Elis Regina, traz os seguintes versos: “Minha dor é perceber, que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”. Mas, um pouquinho mais adiante, complementa dando uma certa justificativa e “puxão de orelha”: É você que ama o passado e que não vê, que o novo sempre vem.
O mesmo Belchior, com a mesma Elis na interpretação, traz em uma outra canção igualmente inesquecível, “Velha Roupa Colorida”, a reflexão: O que há algum tempo era novo, jovem, hoje é antigo. E precisamos todos rejuvenescer. E ainda: No presente a mente, o corpo é diferente; e o passado é uma roupa que não nos serve mais.

A nossa constante mudança interna e em relação à sociedade e à própria humanidade é tema de reflexão e discussão filosófica há séculos e ainda há quem acredite (ou se apoie) em determinismos. “Há, não consigo fazer isso! Nunca consegui fazer e não é hoje que conseguirei. Não nasci pra isso. Eu não sou assim.” Bom, se isso fosse verdade, ainda moraríamos em cavernas e seríamos nômades em busca de alimento para sobrevivência.
Precisamos encarar a mudança como algo positivo. Uma verdadeira oportunidade de tentarmos obter resultados melhores, ou ao menos diferentes do que já obtemos. E pra ficarmos nas referências musicais, Cazuza cantou que “O tempo não para”. E olha que na época em que escreveu essa música, o mundo nem estava tão acelerado assim.
O fato é que ele tem razão. Se ficarmos parados, apoiados no sucesso de hoje, em um futuro breve (mais breve do que você imagina), estaremos obsoletos. Nossa relevância profissional está cada vez mais líquida e volátil.
Então preciso mudar tudo a todo momento pra não ficar pra trás? Certamente não. Apoie-se nos alicerces que você já construiu: suas relações pessoais e profissionais, ética, moral e uma prática baseada em evidências científicas. Valores essenciais não mudam. Busque a mudança, mas sem se perder de você.

Comments