Vai ser chato mesmo!
- Gustavo Rivera
- 1 de nov. de 2024
- 2 min de leitura

Há um momento nas aulas e palestras que beira o tragicômico. É aquele instante em que o professor, com um sorriso amarelo e sem entusiasmo, quando sorri, abre o jogo: “Bom, pessoal, agora a gente vai entrar numa parte mais chata, tá?” ou pior “A aula hoje é chatinha”, como se o problema sempre fosse o conteúdo e não a maneira de explorá-lo. Ele poupa o público da difícil tarefa de julgar por conta própria se aquilo vai ser interessante ou não. O veredito já está dado: vai ser chato.
Use sua imaginação e pense naquelas aulas e palestras que foram marcadas logo após o almoço. Você tenta se manter desperto e luta um pouco para prestar atenção na apresentação, independente de qual seja o tema. Mas...e agora? Agora você precisa lidar com o desânimo do próprio palestrante, que praticamente avisa que o conteúdo vai fazer com que o tédio seja seu companheiro fiel pelos próximos minutos...ou horas, se a sorte não ajudar. A sinceridade desnecessária do palestrante soa quase como um convite para um desligamento precoce do seu foco.
“Se até ele não está animado, por que eu estaria?”.
O mais irônico disso tudo é que, por mais que o assunto abordado possa realmente ser um pouco complexo, a confiança do público nas habilidades do palestrante tende a cair vertiginosamente. Parte-se do princípio que o professor ou palestrante tenha a capacidade, ou pelo menos deveria ter, de transformar assuntos intrincados em algo cativante e mais simples de entender. Mas, ao jogar a toalha antes mesmo de tentar, o orador se torna uma espécie de “chato profeta”: não só antecipa o tédio, como também esforça-se para acertar sua profecia.

E a tragédia não termina aí! O ambiente começa a se ajustar a essa expectativa. Pessoas olham o relógio com mais frequência, inclinam-se para trás e esperam ansiosamente o convite do colega ou amigo próximo para tomar um café e ter uma boa desculpa para sair dali. Tudo isso porque o orador optou por uma “sinceridade preventiva”, o também chamado sincericídio.
O que é paradoxal é que o público não está ali para ser lembrado de que a experiência pode ser enfadonha; estão ali porque esperam ser inspirados, motivados ou meramente aumentar um pouco o conhecimento que tanto buscam. Se você é palestrante ou professor, faça o possível para evitar o rótulo do tédio! Que tal tentar? Pegue esse conteúdo “sem graça” e trate-o como uma joia rara. No final da contas, o mais comum é que outros colegas nem tentem fazer daquele conteúdo algo interessante. Você tem a oportunidade de nadar de braçada em uma área com poucos concorrentes. Cada olhar atento é uma oportunidade de tornar aquela ideia fascinante, por mais modesta que ela possa parecer.
Ao final, o público ainda tem uma grande chance de lembrar que aquela parte da aula ou palestra tinha sua complexidade. Mas, em vez de um “carimbo de chatice”, eles vão carregar uma sensação de desafio superado, ou até mesmo de que aprenderam algo valioso que talvez, em outras circunstâncias, pudesse ter sido maçante. A visão do palestrante é única e pode ser determinante para qual lado dessa linha tênue seu público estará: sono ou aprendizado.

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